A autocompaixão na prática diária: a coragem de ser gentil
Quando a mente não para, o cansaço instala-se. Os pensamentos atropelam-se, as exigências são cada vez maiores, os julgamentos sucedem-se.
A autocompaixão é o gesto que nos permite abrandar por dentro. É uma prática de lucidez e gentileza que transforma a relação connosco mesmos.
Quando a mente não se cala
Vivemos num ruído interno constante: os pensamentos atropelam-se, ruminam-se as memórias, antecipam-se cenários sem fim.
A mente tenta controlar o incontrolável e, sem dar por isso, instala-se a exaustão. E o corpo apenas traduz aquilo que a mente já vinha a dizer em silêncio.
Quando isto acontece, a vida torna-se pesada, todas as tarefas parecem necessitar de uma força hercúlea. E é aqui que nasce a necessidade da autocompaixão – entendida como uma atitude gentil e de aceitação relativamente a aspetos negativos da pessoa ou da vida. A autocompaixão é uma estratégia de autorregulação em que, por um lado, desejamos a nos mesm@s bem-estar e, por outro lado, nos encorajamos a mudar aquilo que entendemos como padrões doentios ou disfuncionais.
O cérebro sob a voz crítica: o ciclo do modo de ameaça
Quando a autocrítica está muito presente é ativado o modo de ameaça no cérebro. A amígdala interpreta o erro como perigo e liberta cortisol e adrenalina. A mente responde como se fosse a sua própria inimiga e o pensamento torna-se um campo de batalha. Com o tempo, esta resposta desgasta a atenção e bloqueia a clareza.
Quando praticamos autocompaixão, o cérebro ativa o sistema da afiliação.
Aumenta a produção de oxitocina, o nervo vago suaviza o sistema nervoso e o córtex pré-frontal retoma o comando da autorregulação.
A mente passa do modo de defesa para o modo de segurança.
É o que os investigadores chamam softening into safety: amolecer na direção da calma mental.
A sabedoria do limite cognitivo
Tomar consciência e admitir cansaço mental é inteligência emocional e neurocognitiva.
O cérebro precisa de alternar entre ação (análise, planeamento, execução) e integração (reflexão, pausa, consolidação da memória).
Sem este vaivém, a mente perde flexibilidade: o foco endurece, a criatividade esgota-se, o pensamento torna-se num ruído constante.
A autocompaixão é o gesto interno e consciente que permite mudar de marcha antes do colapso. Então, criar pequenos momentos de pausa mental é, por muito paradoxal que aparente, o que mantém a produtividade e a lucidez.
Como uma maré que recua para regressar com mais força, a mente precisa de silêncio para poder voltar com clareza.
A integração psicológica da autocompaixão
Do ponto de vista terapêutico, a autocompaixão é uma forma de integração psíquica.
Em vez de rejeitar a parte que critica ou a parte que sofre, a mente aprende a escutar-se com curiosidade. E este movimento reduz a fragmentação interna, favorecendo a coerência do self.
Nos modelos de Terapia da Compaixão (Paul Gilbert) e Mindful Self-Compassion (Kristin Neff), três atitudes estruturam esta prática mental:
1️⃣ Consciência e compreeensão – reconhecer os pensamentos autocríticos;
2️⃣ Humanidade partilhada – lembrar que a mente humana é, por natureza, imperfeita e comum a todos nós;
3️⃣ Mindfulness – responder com gentileza interna, mesmo quando a mente exige punição.
Treinar a autocompaixão é transformar o espaço mental num lugar onde é possível estar bem, consciente e equilibrado.
Experimente: um minuto de pausa para a mente
Encontre um lugar tranquilo.
Feche os olhos.
Recorde uma situação recente em que foi exigente consigo.
Escute o tom da sua voz interna, talvez se mostre impaciente, severa, rígida.
E agora, diga para si mesm@: “Este tom é unicamente um hábito, posso aprender a oferecer-me compreensão.”
Sinta o que acontece: quem sabe, os pensamentos desacelerem ou o ruído mental ceda espaço à presença.
Observe: apenas se trata de pensar com ternura, de falar de forma gentil consigo, de ser seu/sua amig@.
Quando a gentileza se torna lucidez
A autocompaixão não é passividade nem resignação. É, sim, uma opção lúcida que lhe
permite ver o que precisa de mudar sem o filtro da culpa e sem a dureza da exigência.
Quanto mais nos tratamos com respeito, mais o pensamento se organiza, as decisões se tornam sábias e o diálogo interno se torna humano.
É uma ferramenta silenciosa da mente, uma prática que transforma a forma como pensamos, sentimos e escolhemos.
Quando a mente abranda, o mundo interior tranquiliza-se e tudo à nossa volta ganha cor e serenidade.
A Arte de Parar — o espaço entre o excesso e a lucidez.
Saiba mais aqui!
M. Conceição Viterbo, Psicóloga, Psicoterapeuta e Facilitadora de Mindfulness e Hipnoterapeuta Clínica.

