A Vozinha do “Talvez”

Um dia, ao caminhar por dentro de si – quem sabe se enquanto medita! – descobre uma presença discreta. Essa presença não grita, não se impõe, bem pelo contrário, sussurra. É a Vozinha do Talvez.

Esta voz veste-se de cuidado, mas traz nas mãos nuvens cinzentas. A Vozinha do Talvez não é má, apenas tem medo. Aprendeu a proteger-nos, evitando riscos, ainda que nos aperte as asas e nos faça estremecer.

Quando a ouvir, não precisa de lutar contra ela. Pode sorrir-lhe, com ternura, e dizer-lhe: “Obrigada, Vozinha do Talvez. Eu escuto-te. E agora escolho experimentar. Podes sentar-te aí e ficares a fazer-me companhia.”

Deste forma, permite-se olhar para essa vozinha interna, vê-la como exterior a si. Pode dialogar com ela e, até, perguntar-lhe o que é que ela quer mostrar ou dizer.

E, assim, transforma um eco de dúvida, de medo, de catastrofismo, num convite a confiares em si.

A transcrição que segue, de uma forma resumida, é da consulta de uma jovem, M., de 23 anos, que tem um caminho de psicoterapia. Está bem ilustrada a forma como tem lidado com a Vozinha do Talvez e como isso tem impactado no seu bem-estar. Esta transcrição tem o consentimento de M., que acedeu a partilhar o seu testemunho como forma de ilustrar como a mente é poderosa.

Estou bem.

Tenho conseguido sentar o crítico interno – dei-lhe o nome de Grilo! – e, também, sinto-me mais consciente dos momentos em que ele intervém. Apercebi-me de que o Grilo me impedia de desfrutar do presente; passava a vida focar-me no passado e no que poderia ter feito melhor; ou no futuro e a imaginar tudo de mau que poderia surgir.

Fico muito satisfeita comigo mesma por ter a perceção do tempo e energia gastos ao dar ouvidos ao Grilo: perdia o presente completamente e gastava toda a minha energia na escrutinação do que tinha feito.

O Grilo aparece em várias situações do meu dia-a-dia, no fundo aparece em tudo quanto me acontece. Aparece muito quando estou a trabalhar: não fiz tão bem quanto poderia ter feito, escapou-me alguma coisa, devia ter sido mais rápida, … E também na perceção da minha aparência. Há dias em que gosto de mim e outros em que não – nestes dias, opto por me retirar e fazer algo que me faça sentir bem.

O Grilo é muito crítico e fazia-me sentir um bicho raro, o que me inibia ainda mais. Tenho dito a mim mesma que sou como sou; que não tenho de ser igual aos outros, que não tenho de ser como A, B ou C. Porque estando sempre a ouvir esta voz crítica era como se estivesse a trabalhar numa constante insatisfação: não és como os outros, não estás como os outros estão …

Noto o raciocínio destruidor de mim mesma – o procurar encaixar-me numa forma como acho que deveria ser … – e não tenho de ser igual a ninguém, nem fazer aquilo que os outros mostram que fazem. Este é o meu físico, vou apreciá-lo!

Mesmo em relação ao exercício físico … às vezes, dava por mim a tentar comparar o meu corpo com outras raparigas, para ser como elas, e, notando o Grilo, digo a mim mesma que vou apreciar o que tenho, trabalhar com o que tenho e evidenciar o que tenho de bom. Afinal, é o meu corpo – não tenho, nem terei outro!

No convívio social, o Grilo está muitíssimo presente: sou mesmo mazinha comigo … O tomar consciência de que quero atingir a perfeição é tomar consciência do quanto tenho sido mazinha para comigo – porque a perfeição não existe e tenho tomado cada vez mais consciência disso. “Não tens que corresponder a nenhum critério”, digo a mim mesma.

Assim, ao não exigir de mim mesma, não só fico mais satisfeita, como me exprimo melhor. 

E também o não imaginar e assumir o que o outro está a pensar, também me deixa mais disponível.

M. terminou a consulta refletindo sobre o poder da mente e o facto de estar a aprender a usar a energia do Grilo para ser uma pessoa que sente que progrediu e que sabe usar essa força para se sentir bem e confiante.

É este o trabalho da psicoterapia.

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M. Conceição Viterbo, Psicóloga, Psicoterapeuta, Facilitadora de Mindfulness, Hipnoterapeuta Clínica

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